quinta-feira, 19 de abril de 2007

"...E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais"

“Eu vi Cristo ser crucificado/ o amor nascer e ser assassinado/ eu vi as bruxas pegando fogo/ pra pagarem seus pecados/ Eu vi Moisés cruzar o Mar Vermelho/ vi Maomé cair na terra de joelhos/ vi Pedro negar Cristo por três vezes/ diante de um espelho.”

Na história de um homem que viveu dez mil anos, começar falando de religião é no mínimo acertado. Nesta estrofe, Raulzito corrobora a Fé judaica, cristã e islâmica, dando testemunho dos feitos dos respectivos profetas que deram corpo a elas; e utilizar as três grandes religiões monoteístas da humanidade como exemplo é a melhor maneira de abordar universalmente a Fé em Deus.

No terceiro e quarto versos, a constatação dos males que a religião tem o poder de causar, à primeira vista, as bruxas podem ser detectadas como vítimas da Igreja Católica medieval, mas deve-se pôr nessa conta também outros casos de morte por discordância religiosa, cuja motivação é idêntica. As bruxas foram queimadas sim, mas não por algum motivo maléfico ou cruel, mas apenas porque a crença geral era de que elas eram pecadoras e sofrendo tal martírio, além de se estar obedecendo a uma vontade de Deus, as “justiçadas” dessa forma poderiam adentrar no paraíso. É quase compreensível, se levarmos em conta a mentalidade medieval, quando o homem carecia de parâmetros mais paupáveis do certo e errado. A sabedoria popular expressa isso no famoso ditado “De boas intenções o inferno está cheio”.

Por fim, o verso mais enigmático e significativo. Quem conhece a história bíblica, sabe que Pedro não estava diante de um espelho no episódio da negação, mas sim respondendo a uma indagação de uma multidão enfurecida. Então quem é o sujeito que contempla o tal espelho? Se fizermos uma transposição desse adjunto adverbial para o início do período (português não é maravilhoso?) e colocarmos antes dos objetos diretos, fica assim: “Eu vi, diante de um espelho, Cristo ser crucificado, (...) Pedro negar Cristo por três vezes.” É claro que a sonoridade fica destruída, mas podemos extrair a quintessência da estrofe, que indica a característica mais marcante da religião, a realidade vista por um viés de introspecção. Todos aqueles acontecimentos sagrados que o tal sujeito de idade milenar viu foram dentro de si mesmo, ou seja, não tem a necessidade de terem acontecido historicamente da maneira como foram narrados, isso é apenas um detalhe. O que importa mesmo é a Fé do observador, que tem o poder de dar todo o perfil de realidade que um acontecimento precisa. Grande Raul.

2 comentários:

  1. pena q ele tenha escolhido justamente o contrario, a descrença no poder de Deus e submissao ao diabo. e pensar que foi Deus que deu a ele toda esta criatividade. é realmente uma pena q no céu a gente nao possa pedir "toca Raul!!"... ele nao vai estar la =/

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  2. é, não ouviremos Raul no Paraíso, mas não precisaremos, pois sequer lembraremos de qualquer canção humana, por mais bela que tenha sido sua composição: estaremos atentos à Melodia Eterna. :)

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