sábado, 17 de março de 2007

Croniquetas no coletivo - "tchau, invasora"

Tudo começou quando eu olhei para o chão. Não sei por que tinha que olhar para o chão, talvez porque não tem muita coisa pra ver dentro de um ligeirinho lotado quando você está esmagado de costas contra a porta, mas mesmo assim não foi apenas para o chão que eu olhei, minha visão foi mais abrangente e percebeu uma sacola amarela na mão da cidadã ao meu lado. Até aí tudo bem, uma sacola amarela cheia de livros. Porém, e sempre tem que ter um porém, eu tenho um péssimo hábito que vou revelar aqui e agora antes de continuar essa narrativa. Já está quase virando um TOC, é realmente constrangedor, sou obsessivo mesmo e daí? cada um com as suas manias, ora essa! e não venha você leitor me julgar por isso, aposto que também tem seus pecadilhos escondido, não tente disfarçar, nem venha que eu sei que... ops!, voltando ao assunto, minha mania é simples: curiosidade mórbida pela leitura alheia, isso mesmo, parece bobagem? Você leitor já quase parou a leitura me julgando (como julga você, hem!) melodramático? calma, eu explico. É que essa inocente mania já me rendeu várias inconveniências nessas idas e vindas de ônibus pela metrópole curitiboca, pois veja você que um dia estava eu no biarticulado distraído olhando a bela paisagem dos muros pichados quando divisei no outro vagão uma moça com um livro na mão, lendo absorta. Não resisti e fui andando como quem não quer nada até chegar próximo pra ver o que ela tava lendo de tão interessante. estava nessa de ler por cima do ombro até que algo me denunciou e fui metralhado por um olhar tão desconcertante que a única reação possível foi um amarelo sorrisinho e desculpas murmuradas. Como se já não estivesse acostumado com esses cidadãos-sorrisos! Depois desse episódio passei a controlar mais rigidamente esse ímpeto, me limito a saber do título do livro alheio e só. Nem uma frasesinha me permito a mais. Então, voltando ao assunto do ligeirinho de hoje, eu vi a cintilante sacola amarela abarrotada de livros, e o único que dava pra ler mais-ou-menos o título era um exemplar de "Mulheres inteligentes (...) solteiras", enquanto mentalmente tentava achar o que completaria o "(...)" com algo como"permanecem", a proprietária do acervo me abordou subitamente:

- Não dá pra acreditar em tudo o que a gente lê, não é mesmo? (sorriso falsete)
- De maneira alguma. (pensei em acrescentar um "principalmente o que a gente vê na TV, mas desisti) e complementei:
- Observadora você, hem.
Então ela levantou a sacola amarela e me mostrou outro livro cujo o título era "Por que os homens não se abrem?" e completou:
- Só você pode me dizer.
- ... (sorriso não-forçado de estranhamento)
Ela insistia:
- Vergonha? Machismo?
Arrisquei, só pra zuar, mas já estava com vergonha dos outros inúmeros passageiros ao redor que disfarçavam astutamente que não, mas estavam atentos no diálogo. (procedimento praxe dentro do ônibus)
- Sei lá, Medo!? Sugeri. -Você por acaso é psicóloga ou algo do gênero? (sorriso aberto)
- Sou muito curiosa, fiquei curiosa quanto a você. Não ri de mim. Ela disse meio que de brincadeira, mas com fundos de protesto real.
- Não, não é de você não, é da nossa "conversa". (as aspas ficaram por conta da minha imaginação)
- Não to te cantando.
- !? (sorriso que não consegui conter) (me virei de frente para a porta)
ela interpretando errôneamente (será?) minha atitude:
- Se desse pra pular do ônibus, hem (sorriso debochado dela) desculpe, você se sentiu invadido.
Eu, pela primeira vez olhando firme nos olhos dela:
- (irônico) tá perdoada. É que desço na próxima.

O ônibus parou e antes de descer, telvez por remorso pela minha ironia desnecessária, talvez por tentar parecer mais simpático, pousei minha mão em seu ombro como cumprimento, ao qual ela respondeu do mesmo modo.

-thau, invasora.

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