terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

[escrito num péssimo dia]

Hoje eu fui assaltado. Na intimidade da minha casa entraram pessoas que já não podem ser chamadas pessoas, desvirtuadas de todo e qualquer resquício de humanidade. Invadiram pela força de armas de fogo, a mais estúpida das invenções já criadas, e muito mais que objetos, levaram minha crença no ser humano. As minhas utópicas justificativas para a criminalidade, nas quais o iníquo capitalismo era o grande bode expiatório caíram por terra ao ver a mira de um revólver na cabeça de meus familiares. Não, não se trata de erros do sistema, a responsabilidade do individuo que se permite fazer tamanha covardia jamais pode ser exaurida, a detenção de tal classe de deturpados sociais deve ser imposta, a existência da conturbada organização policial encontra razão de ser, mesmo com suas tantas transgressões ao que considero essencial: liberdade e justiça.

Tive vontades de matar, como quem conserta um aparelho defeituoso. Tive vontades de morrer, deixando para trás a mesquinha existência que nos torna cúmplices de todos. O vazio dos objetos no lugar que outrora ocupavam refletia o vazio da minha alma, furtada de sua dignidade. A desordem do que não puderam ou não quiseram levar simbolizando minha esparramada impotência frente ao inesperado, revolta silenciada pelo medo do fim súbito e gratuito.

Mero fantoche nas imprudentes mãos do acaso. Não sou mais que isso, cego atravessando vias rápidas, criança que brinca no parapeito da janela. Insistir na remendada venda que cobre meus olhos, colorida com a ilusão da segurança fardada é tudo o que me resta. Vejo-me atleta cansado em corrida de obstáculos que teimam em crescer com minha aproximação, desejosos da queda fatal.

Diminuído, apalermado, aguardo a infalível resignação, passaporte barato para meu retorno à mascarada rotina que tal qual folhas outonais recobre pouco a pouco o solo da minha indignação.

2 comentários:

  1. Nunca fui de "ficar lendo blogs" de desconhecidos. Por uma razão que desconheço, hoje li o seu! E quero dar-lhe os parabéns por tudo o publica, tudo o que escreve! E dizer que tb "choquei" com esta, Henrique!
    Bjs

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