domingo, 27 de maio de 2007

O homem não criou Deus

A diferença entre um teísta, um agnóstico e um ateu é que o primeiro tenta responder, o segundo diz que não sabe, e o terceiro nega a pergunta.

Imagine que, ao amanhecer de algum dia aleatório, sem qualquer razão que justificasse, todos os seres humanos do planeta fossem acometidos de uma cegueira súbita ao despertar. Como ninguém soubesse que o mal era com seus próprios olhos, e com a evidência óbvia de que a estranheza também se abateu sobre seus semelhantes, a razão humana não demoraria a nos informar de que o Sol cessou de emitir luz, por algum motivo qualquer. Caso existisse um único homem são, com olhos normais, este poderia contrariar a tese e usar seu próprio exemplo como prova. Porém, se não fosse posta diante desse ímpar privilegiado, convém crer que a grande massa desprevenida da visão não creditaria veracidade ao fato, insistindo na hipótese do defeito solar. Voltando ao início da suposição e cegando também aquele tal que havia escapado furtivamente, não haveria dúvida, o Sol é o responsável, o astro rei de fato teria deixado de emitir sua benfazeja luz e nossos olhos assim tornados inúteis, não pelo ocorrido com ele, mas sim pela ausência da luz para adentrá-lo e atingir a retina.

Talvez os mais imaginativos tenham feito brotar em suas mentes algumas incongruências no meu exemplo acima, tal como a possibilidade de se emitir luz por meios artificiais. Confesso que a história deixa brechas, e por isso, trabalharei o exemplo um pouco mais.

Imagine que, novamente com todos os habitantes do globo, que ainda permanecem cegos, toda a sensibilidade ao toque seja tolhida do corpo. Isso mesmo, além de cegos estaríamos incapazes de tatear os objetos e pessoas, e mesmo que o fizéssemos, não nos daríamos conta. Além do que nos sentiríamos flutuando no ar, inseridos numa quimera de pavor. O que diria nossa razão? Difícil dizer, mas não seria de estranhar se fossem ouvidos brados de “fim do mundo!” pelas ruas (que já não podem se dizer ruas, visto que os pés não sentem mais o chão). Teria assim o Mundo acabado, e todos nós, apesar de fisicamente estarmos deitados em nossas camas, ou estirados no chão, imaginaríamos estar vagando no limbo, ou no inferno, onde somente o som serviria de bússola para nossas atormentadas almas.

Com as tragédias hipotéticas acima, tentei expor a relatividade existencial do Universo. O que existe é apenas o que nós humanos, com nossa mente, podemos conceber. Toda essa exposição foi apenas para chegar a essa pergunta: se todos do planeta acordassem, de novo por razão ignorada, ausentes de sua crença em Deus, e ausentes até de qualquer idéia do que fosse esse Ser Todo-poderoso, deixaria assim Deus de existir? Ou seja, Deus é criação humana?

Questão delicada. Analisemo-la mais a fundo. Caso na mente humana ocorresse tal façanha, seria não apenas uma lacuna de Alguém para nos ditar a moral e os costumes acertados, mas principalmente Alguém para nos apontar da onde viemos e para onde vamos. Seria não apenas uma lacuna de Alguém para Quem se dirigir súplicas e agradecimentos, mas principalmente Alguém para nos explicar o surgimento do Cosmos e até mesmo o objetivo da vida. Então, diante de tal espantoso quadro, restariam para nossa raça dois caminhos a seguir. Ou retomávamos a busca filosófica iniciada há imemoriais tempos (desde que o primeiro homo sapiens se perguntou “como é que eu vim parar aqui?”) e interrompida bruscamente pelo acontecimento da primeira linha, reconhecendo novamente Deus (ou pelo menos o aspecto de Divindade, já que não teríamos o auxílio dos Seus Manifestantes para nos ajudar a caracterizá-Lo) e Sua existência superior e eterna, empreendendo uma limpeza de dogmas, mas com a essência da Fé preservada; ou então o baque que originou a lacuna que tivemos seria tão violento na alma que não nos perguntaríamos mais acerca da vida e suas implicações filosóficas, semelhante a como procedem os animais que chamamos irracionais, incapazes de tecer um raciocínio de tal magnitude.

Conclusão: Deus não foi criado pelo homem, pois mesmo que não O reconhecêssemos, Ele existiria.

Mas ainda não é o fim. Os mais imaginativos (aqueles mesmos que falsearam meu primeiro exemplo) já devem estar considerando a hipótese de a humanidade não cultivar a Fé em Deus, mas mesmo assim preservar a racionalidade característica da raça, em outras palavras, virarmos todos ateus.

Sabemos que os ateus compõe uma minoria residual, minúscula proporcionalmente, no planeta. Mas também sabemos que geralmente os ateus são pessoas com uma certa bagagem intelectual, filósofos famosos, cientistas promissores, professores capacitados. O porquê disso eu abordarei em outra ocasião. Prossigamos por ora com o hipotético planeta cético que nos tornamos. Deixaria assim Deus de existir?

Não. Não justamente porque o ateu precisa de Deus, nem que seja para negá-Lo. Precisam de teístas para fazer um contraponto, vivem da contestação, sua argumentação é destrutiva, não construtiva. Sem Deus, o ateu perde o mote de sua crença ao avesso, seu parasitismo teórico e precisa buscar uma resposta satisfatória do Gênese por si mesmo, o homem é um ser que precisa crer, se não que sua existência tem um porquê, pelo menos que tenha um “como”. Já não bastaria dizer “Deus não existe”, como o fazem hoje em dia, mas seria necessário precisar alguma informação em que depositar a Fé. E o que seria isso? A população em polvorosa exigiria que as grandes mentes encontrassem algo palpável. Big bang não basta. Ovo cósmico hiperdenso continua insuficiente. Flutuações quânticas soa poético, mas continua sem responder. Por fim, os cientistas encurralados na necessidade de preencher a imensurável lacuna da ciência, diriam que estamos aqui por acaso, não se sabe como, porquê, para quê, para onde vamos, da onde viemos, nem se conseguiremos um lugar na janela. E a massa estupefata reconhecerá pragmática a deficiência ideológica do “ateísmo-racional-científico-só-acredito-no-que-me-provam”, e sem hesitar o povo iniciará a inevitável caminhada de evolução espiritual, começando por admitir a própria ignorância e reconhecer Alguém de fato sábio.

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