quinta-feira, 22 de outubro de 2009
O infarto
"Blue nude - Pablo Picasso"
Ele se olhou no espelho, viu um estranho. Quisera ser como os cachorros, que vivem em ciclos iguais de rotina. Não suportava a pressão de ter que viver novas experiências dia após dia. O desconhecido o assustava devido ao seu pessimismo e desconfiança com relação ao destino e já não esperava mais nada de ninguém.
Parou de se alimentar. Engolir a comida o chateava, e decidir o que comer era um martírio. Vivia entre a dura decisão entre o que gostava e o que lhe fazia bem para a saúde. Pensando agora soa estranho, do que vale boa saúde em um suicida?
Não, ele não se mataria. Não tinha coragem suficiente. A vida toda fora covarde e continuaria a se arrastar pelo resto de seus dias, fingindo ser o que não era. sorrindo para todos com uma máscara de espinhos cravada em sua face. Engoliria toda a amargura daquela existência e na velhice, já com os seus netos dançando diante de si, saberia então que valeu a pena cada segundo.
Chamou então a esposa, com quem dividiu a alma, e tentaria em vão lhe transmitir o que sentia. Consciente disso, a abraçaria com os olhos ainda secos, seu peito apertando cada vez mais e o desejo do desconhecido renascendo de sua recém-nascida fé em Deus.
Morreu em paz.
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